A pré-candidata
do PCdoB à Presidência da República, Manuela d’Ávila, chegou à sabatina do
Correio Braziliense sorridente e descontraída. A postulante ao Palácio do
Planalto, de 36 anos, destacou dois temas: a ineficiência do Estado brasileiro
e a corrupção. “O Estado tem que ser garantidor de um conjunto de políticas
públicas de educação, saúde e segurança”, resumiu. Para ela, o país incrementou
ferramentas de combate à corrupção, mas não foi possível garantir que novos
casos acontecessem. “Temos que refletir por que nossas ferramentas ainda não
estão surtindo efeito”, explicou.
Manuela falou
de economia. Defendeu reformas, como a tributária e a da previdência, mas se
diz contrária à autonomia do Banco Central. “Ele tem que fazer parte de um
projeto de país. A quem serve sua autonomia total?”, questionou. A privatização
de estatais também está fora dos planos. “Querem privatizar a Petrobras, a
Eletrobras, que são empresas essenciais para a retomada do crescimento. Não é
um debate moral, mas estratégico.”
Mesmo com a
pressão para a unificação de uma candidatura de esquerda, ela é categórica.
“Sou candidata até outubro. A unidade que defendo tem que se materializar.
Somos quatro candidatos: Guilherme Boulos, Ciro Gomes, Lula e eu. Temos uma
unidade programática.” Manuela visitou o ex-presidente Lula na cadeia, mas não
comentou o assunto. “Ele é vítima de uma prisão política”, cravou. Confira os
principais trechos da entrevista.
Qual a sua
visão do Estado brasileiro e de quão ele é ineficiente?
Essa questão
passa centralmente pelas razões que me faz ser pré-candidata à Presidência. Eu
acredito que há necessidade de o Estado ser forte e protagonista na articulação
de um conjunto de políticas que garantam a retomada da economia. Isso significa
que ele precisa ser excessivo? Não, mas garantidor de políticas públicas,
reformado para garantir um conjunto de investimentos privados, eficiente e
transparente.
O Estado que
temos hoje é propício à corrupção?
O Estado
brasileiro incrementou mecanismos de controle, de transparência, como a Lei da
Transparência, e outros investimentos, como na Polícia Federal e na
Controladoria da União. Mesmo assim, não garantimos o combate a atos de
corrupção nem impedimos definitivamente que novos casos acontecessem. Os
americanos têm um termo chamado accountability (transparência e capacitação).
Portanto, a transparência é maior à medida que permitimos mais participação
social, e essa é a ideia que pretendo levar à Presidência da República. Não
acho que temos que copiar, mas adaptar. Temos mecanismos, mas não têm sido
suficientemente capazes.
Qual sua
opinião sobre a privatização de estatais? É possível combater a corrupção
nessas empresas?
Não acho que a
privatização deve ser debatida de forma abstrata. O que acontece no Brasil são
formas de privatizar empresas estratégicas — como o Banco do Brasil, a Caixa
(Econômica Federal), a Petrobras e a Eletrobras — que são estratégicas para a
retomada da economia. Tem como imaginar uma Petrobras privatizada no país onde
o principal modal de transporte é terrestre, que demanda diesel, combustível?
Vamos conseguir disputar a tarifa real de juros no Brasil sem bancos públicos
para impactar e competir com o sistema privado? Outra questão é como garantir
que as estatais ajam de forma que não haja corrupção. Uma das propostas, ainda
estou no começo dela, é criarmos módulos de controle. Como garantir que ali
dentro exista fiscalização permanente, dada a relevância dessas empresas para o
desenvolvimento do país.
A autonomia do
Banco Central é prática. Há três opções: manter a autonomia informal, ampliar a
autonomia ou diminuir essa autonomia, interferindo no Banco Central. Qual sua
opção?
O Banco
Central, na minha interpretação, faz parte de um projeto de desenvolvimento do
país. Pensar em um absolutamente autônomo e desvinculado de um projeto de nação
é parte da ideia daqueles que gostam do caos. Sou absolutamente contra
autonomia plena, acho que ele tem duas tarefas centrais: a de controle da
inflação e a do trabalho.
A senhora
diminuiria a autonomia, por exemplo, para diminuir a taxa de juros?
O Banco
Central tem que ser vinculado e fazer parte de um projeto de país. Então, isso
pode acontecer. Não é uma autonomia política. Temos que ter uma taxa de juros
que faça o país crescer. A quem serve a autonomia total do Banco Central? Para
mim, só serve para a economia, não para o brasileiro.
Excessivos
números de Refis desestimulam o bom contribuinte? O que deve ser feito?
A reforma
tributária é um dos nossos temas centrais, porque acreditamos que deve haver a
retomada dos investimentos públicos. Nós não garantiremos a capacidade de
investimento do Estado se não fizermos algumas ações, como a reforma
tributária. O Brasil tem que ter uma reforma para que pare de cobrar impostos
intermináveis de pobres, para que cobre impostos de herança, de multimilionários,
e para que tenha mais justiça tributária.
Qual a
tendência mais forte do cenário da esquerda?
A tendência
maior é — e não é só o que a gente quer — que sejam preservadas as quatro
maiores candidaturas. No fim do ano passado, tivemos um avanço ao adiantarmos
um pré-programa para a política brasileira. Não defendo unidade abstrata, ela
tem que se manifestar na vida real. A vida real não tem mostrado que esse será
o caminho. Então, naturalmente sou candidata até outubro.
Essa unidade é
inviável então?
Existe um
esforço grande de tentar dizer que nosso campo é o que está mais fragmentado e
com mais problemas. De 19 pré-candidaturas, quatro são nossas, e o resto, de
lá. Esses adversários estão em lençóis muito piores que os nossos. Por que o
povo escolherá o projeto deles? Qual o projeto que o povo escolheu? Ninguém
quer o governo Temer. Então, ninguém quer o encosto, mas, na vida real, ele é
um reflexo de um projeto de país que é antagônico ao meu.
Qual sua
proposta de reforma da Previdência? Como a senhora vê o sistema de
aposentadoria no sistema público?
É preciso
debater o tema da Previdência, algo que o Temer não fez. Temos dois debates a
fazer: sobre qual é o real tamanho do deficit e o tema da sonegação. Qual o
impacto real? É preciso fazer um debate global da Previdência, que envolva
sociedade, governo e o povo. Se debate o aumento de idade, mas não se fala do
trabalhador que faz uma jornada de 44 horas semanais, que é mais vulnerável ao
desemprego… Entre os debates existe o de enfrentamento a privilégios. Queremos
uma reforma para punir a maioria do povo, que aumenta o nível de idade sem
mexer na qualidade de trabalho?
A senhora
defende a federalização do ensino básico?
Sou contra a
federalização porque creio que temos que enfrentar o tema real. A baixa
qualidade ou o baixo desempenho dos estudantes decorre da falta de investimento
dos estados e municípios. Quando a gente coloca, no centro da ideia de
desenvolvimento, a recomposição da capacidade de investimento do Estado, não
falamos da composição de investimentos da União apenas, mas da União, dos
estados e dos municípios.
Então, o que
fazer?
Temos dois
debates centrais para fazer no Brasil, que é o sonho de Brizola. Ele falava da
ampliação do número de horas que as crianças ficavam na estrutura escolar, e
isso representa o debate que fazemos sobre o currículo: como colocamos tudo
isso na escola se os alunos ficam um número pequeno de horas?
Qual o papel
da União?
Penso que a
União deve se centrar na produção de ciência básica. No nosso país, a
universidade, sobretudo a pública, produz esse conhecimento. Temos que
consolidar o conhecimento que temos nas universidades com o setor produtivo
brasileiro. Precisamos ter um projeto de país em que a indústria tenha algum
papel. Para isso, é preciso de ciência básica.
A senhora
concorda com a cobrança de taxas de alunos de famílias mais ricas nas
universidades?
Não. Nós
tentamos superar as dificuldades que os estudantes de escolas públicas têm a
partir das cotas. Esses estudantes, quando acessam a universidade pública, têm
um desempenho, muitas vezes, superior ao daqueles que vêm da rede privada de
ensino. Eu sou contrária à cobrança de taxas. Fazer isso é pensar de forma equivocada
o ambiente da universidade como elitista. Não é.
Como os
brasileiros podem se sentir mais seguros em casa e nas ruas
Subestimamos a
dimensão da violência na vida do povo brasileiro, sobretudo do trabalhador. O
Brasil precisa escolher qual crime quer combater. Quero ser uma presidente que
faz combate aos homicídios e aos crimes sexuais. Os ciclos da polícia devem ser
federalizados. Não estou defendendo uma polícia única em todo o país.
Precisamos construir uma política de segurança pública. Embora a classe média
tenha sensação de pânico, os dados mostram que quem morre mesmo são os povos
das comunidades carentes, sobretudo os jovens negros.
Como negociar
com um Congresso com perfil conservador, sendo a senhora mais progressista? Não
haveria choque ideológico?
Acredito na
possibilidade de diálogo. Nós queremos Estado para quê? Quero garantir um
projeto de desenvolvimento do país, um conjunto de políticas sociais, mas não
quero Estado para tutelar os corpos das pessoas. O Estado deve dizer o que muda
no Brasil. Precisamos de Estado para garantir desenvolvimento, para garantir a
diminuição da desigualdade social. Precisamos que esse Estado não julgue os
brasileiros de forma diferente a partir das suas visões de mundo, fés,
sexualidade.
Por que a senhora
quer ser presidente?
Porque amo
muito nosso país. É um país que tem diversidade e tem tudo para ser
extraordinário. Precisa ser um país onde 40 mil mulheres enterram os filhos
porque são negros e jovens? Esse país que é campeão de produção de petróleo tem
que ser o país de vítimas de queimadura porque muitas famílias não conseguem
comprar gás de cozinha? O hino diz que somos um sonho intenso, mas minha meta é
que deixemos de ser um sonho e passemos a ser uma realidade intensa.
PC do B
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