Orós. A escassez de água nos dois
maiores reservatórios do Estado do Ceará, Orós e Castanhão, além de afetar e
colocar em risco abastecimento de água de dezenas de centros urbanos nos vales
do Médio e Baixo Jaguaribe e na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF),
destruiu a economia e o sonho de centenas de famílias que melhoraram de vida a
partir da criação de tilápia em cativeiro.
"O nosso sonho acabou. Era
uma mina de ouro, mas foi rápido", lamentou o pescador Abrão Pedro da
Silva, 49, que era produtor de tilápia na bacia do Açude Orós, na localidade de
Pereiro dos Pedros. "Todos nós acreditamos no governo, investimos,
trabalhamos, mas secaram o açude, levando água para a região de
Fortaleza", disse. "No meu caso, a dívida é de R$ 60 mil, no Banco do
Brasil".
Endividados
As famílias estão endividadas,
não há trabalho e renda. As vilas começam a ficar esvaziadas. Alguns já
viajaram em busca de emprego em São Paulo, outros em municípios da região, como
Iguatu. A maioria procura vaga de garçom, pois antes do projeto de produção de pescado
em tanques redes iniciar, alguns já trabalhavam nessa atividade.
Quem chega às localidades
ribeirinhas, fica admirado com o distanciamento das águas. As terras que
estavam cobertas com uma lâmina de água superior a seis metros, agora estão
cheias de vegetação, graças às últimas chuvas, e há gado pastando. "No
verão, vai ficar tudo seco, com aquelas rachaduras no solo", observa o
produtor José Custódio, que indaga: "Quando esse açude vai encher de
novo?".
A incerteza de quando haverá
recarga significativa no Açude Orós e a impossibilidade de retomada da
atividade produtiva a médio prazo criam um sentimento misto de tristeza,
frustração e raiva contra o governo. Afinal, para a maioria dos produtores
rurais, apesar do quadro de chuvas abaixo da média desde 2012, e falta de
recargas nos últimos anos, a decisão de liberar água do reservatório desde
setembro de 2016 foi uma decisão fatal para o fim dos criatórios.
Abandono
Nas localidades de Pereiro dos
Pedros, Brejinho, Jardim, Jurema, Baixas as gaiolas que antes estavam cheias de
alevinos e pescado flutuando sob a água, agora estão abandonadas sobre a terra,
ao relento, na margem do açude e guardadas em depósitos precários.
O integrante da Bacia do Alto
Jaguaribe, Paulo Landim, diz que, mais uma vez, o Orós liberou água para
atender demandas no Baixo Jaguaribe e na RMF com uso na agropecuária, e na
indústria, em criatórios de camarão, sem ocorrer uma recompensa para os
produtores rurais. "Esse pessoal acreditou no projeto, contraiu
financiamentos e estava ganhando dinheiro, mas secaram o açude, não apenas para
o consumo humano, sem oferecer nenhuma forma de recompensa", afirma.
Na Bacia do Açude Orós, incluindo
localidades do próprio Município e de Quixelô, havia cerca de 700 famílias
envolvidas na atividade de produção de tilápia em cativeiro. Cada participante
de grupo produtivo obtinha uma renda mensal em torno de mil reais. Somente em
Pereiro dos Pedros, eram 136 famílias envolvidas. "Aqui havia renda, mas
agora ficamos na miséria", lamenta o produtor Edmilson Pedro da Silva.
Revolta
Sentado no alpendre de casa, ao
lado da mulher e de um irmão, Edmilson mostra-se revoltado e desanimado.
"Não sabemos quando vamos produzir novamente e eu não quero nem saber
quanto estou devendo ao banco, mas sei que é muito e não tenho com que pagar",
desabafou. Ele passa o dia olhando para a bacia do Orós, que antes tinha água,
mas agora só pastagem e plantio em pequenas vazantes de milho e feijão, além de
alguns animais pastando.
"O inverno está bom para a
agricultura, mas o milho e feijão não dão a renda que o peixe dava",
frisou. A vila de Pereiro dos Pedros está esvaziada, com homens mais velhos e
jovens sentados, jogando conversa fora, por falta de ocupação e ainda
desorientados com a paralisação da atividade. "Não me disseram que iam secar
o açude", volta a reclamar Abrão Pedro da Silva. "Fiz investimentos,
ampliei o número de gaiolas e perdi tudo", relata.
Migração
A filha de Abrão, Maiara Pedro da
Silva, 23, participava de um grupo de produção de tilápia. O marido,
Epaminondas Josino da Silva, 35, também liderava outro grupo de produtores. No
mês passado, ele partiu para São Paulo e, por sorte, conseguiu um emprego de
garçom. No próximo dia 8 de maio, ela viaja com o filhinho, Artur, de 2 anos.
"Estava tudo muito bom, com trabalho e renda mensal de dois mil reais, mas
agora vamos deixar casa e família para trás, em busca de sobrevivência",
conta. "Não tem mais o que fazer aqui", completa.
Os relatos dos produtores de
tilápia são semelhantes. A crise é comum: desemprego, perda da renda, dívida e
falta de oportunidades para novas ocupações. Moisés da Silva lembra que havia
todas as semanas dezenas de caminhões comprando toneladas de tilápia e
transportando o pescado para outras regiões do Ceará e para outros Estados.
"O movimento era intenso, mas agora está tudo parado", lamenta.
Nas margens do Açude Orós, que
acumula 10% de seu volume, no município de Quixelô, a situação é semelhante. O
mesmo ocorre no Castanhão, o maior reservatório do Estado do Ceará, que acumula
cerca de 6% de sua capacidade atualmente. Lá, centenas de famílias perderam
investimentos, trabalho e renda, além de contraírem dívidas, mediante a
impossibilidade de continuidade da criação de pescado em cativeiro.
Nos dois reservatórios, Orós e
Castanhão, houve prejuízos que se acumularam depois de seguidas ocorrências de
mortandade nos últimos três anos. Os piscicultores insistiram, mas só amargaram
prejuízos.
Economia
A crise não se limitou aos
produtores rurais e atingiu em cheio a economia das cidades de Orós e
Jaguaribara. A atividade comercial registra perda nas vendas de forma
significativa. "Milhões de reais deixam de circular todos os meses",
observa o prefeito de Orós, Simão Pedro. O secretário de Agricultura, Meio
Ambiente, Aquicultura e Pesca do Município, José Henrique Silva, estima que
havia uma renda em torno de R$ 7,5 milhões na atividade da pesca. "No
comércio, a queda foi mais de 80%", disse.
Os moradores de Orós realizaram
protestos, em novembro passado, contra a liberação excessiva de água do açude,
mas foi em vão. Quando atingiu a cota em torno de 10%, a Companhia de Gestão
dos Recursos Hídricos (Cogerh) reduziu para uma vazão mínima, com objetivo de
atender a demanda de consumo humano de localidades e cidades no Médio
Jaguaribe.
A diretora da Cogerh, Débora
Rios, durante o XXIII Seminário de Locação de Águas dos Vales Jaguaribe e
Banabuiú, realizado na cidade de Iguatu, observou que, na atual quadra chuvosa,
houve um aporte bem aquém do esperado para o Açude Orós. "Não esperávamos
um índice tão baixo", pontuou.
Em recente encontro da Cogerh, o
diretor Gianni Lima justificou a liberação de água, afirmando que o
reservatório cumpriu com o seu papel estratégico. "No futuro, com a
chegada de água da Transposição do Rio São Francisco, o Orós será
preservado", frisou. "A água tem que atender a seus múltiplos usos e
necessidade de outras comunidades", completou.
Enquete
Qual é a situação dos produtores de tilápia?
"Havia trabalho, renda, mas
agora ficou só a miséria. O açude secou e destruiu tudo que a gente sonhou em
construir. Fico angustiado, revoltado, sem saber o que fazer. Passo o dia todo
parado"
Edmilson Pedro da Silva
Produtor
"Quem olha
para o açude hoje não acredita que toda aquela água, que parecia um mar sem
fim, foi embora. Não se vê mais água onde se criava tilápia. Todos os criadores
perderam dinheiro, só ficou dívida"
Moisés Pedro da Silva
Produtor
Diário do Nordeste
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